Vale a pena, mais uma vez, relembrar a grande proeza feita por três cavaleiros douradenses: Zé Reis e dois irmãos, os fazendeiros Pedro (o “Pedroca”) e Jorge Dias de Aguiar, sexagenários que percorreram 17 mil quilômetros do extremo sul ao extremo norte do país. Iniciaram esta aventura no dia 25 de maio de 1991, onde partiram do parque da Água Branca, São Paulo, com uma tropa de seis cavalos e três burros de carga, com o propósito de atravessar este imenso país.
Durante mais de dois anos, em cima de uma sela, conheceram centenas de povoados, andaram por 21 Estados e 372 municípios onde se sensibilizaram diante às desigualdades sociais e particularmente com os obstáculos que as crianças do interior tem em vencer rumo à vida adulta.
No diário de anotações de Pedroca, descobre-se nos patrícios encontrados pelo caminho, gente boa, solidária... e a solidariedade aumenta na razão inversa das posses, ele descreveu.
Curiosidades:
Deixaram espalhados pelo caminho: 900 ferraduras e 5.400 cravos, gastos com mais de 12 milhões de passadas por animal.
No começo foram usados burros de carga, eficientes mas limitados, pois cada um carrega até 100 quilos, e a caravana, além da tralha, levava muita ração, pois a tropa consumia de 60 a 80 quilos por dia. A substituição pelo caminhão baú foi a melhor opção. Porém, muitos motoristas não agüentaram ficar longe da família e foram desistindo pelo caminho. Seu Osvaldo Mariano foi o quinto contratado como motorista-cozinheiro.
Os animais, por serem garbosos, eram animais de exposição, desses criados em cocheira, que ganham prêmios e andam de avião, como Estrato, campeão da raça, que já esteve até na Alemanha. Serviço de cavalo, não faziam não. Tinham medo de passar em rio e nem sabiam nadar. Subir e descer morros, nem pensar. Tinham pavor de gado, de moita e bastava um pássaro voar que assustavam. Imagine que Itajubá corria até de galinha. A vida deles começou a mudar quando foram escolhidos para a cavalgada “Marchador Brasil 14 mil quilômetros”.
Logo na saída, ainda no parque da Água Branca, houve um incidente que poderia aumentar o pessimismo. A bandeira do Brasil que Jorge carregava enrolou na cabeça de Pensamento, que, assustado, jogou o cavaleiro no chão. O episódio é lembrado pelo protagonista e companheiros entre risadas.
Essa capacidade de rir das contrariedades ajuda a manter o trio unido. Teimosos, às vezes implicantes uns com os outros, transformaram os problemas da cavalgada numa aventura, tanto que estão dando 3 mil quilômetros de lambujem em cima do percurso combinado. Se fosse pelo dinheiro, já teriam desistido. A cavalgada, orçada em 10 mil dólares mensais, desde o começo foi tocada com a metade dessa quantia, para pagar as despesas mais ajuda de custo para os três cavaleiros, os salários do motorista e o tratador. Pedroca precisou por do bolso para a viagem continuar.
Búfalo Bill.
Já em território paraibano, numa aldeia cercada por coqueirais, chega o caminhão e depois a tropa. Jorge impressiona mais, garboso em um colete de couro franjado, feito especialmente para a cavalgada com pele do Jacó, um porco que teve quando criança e que o pai passou na faca. Na sela, o coldre com um revólver 38, cano reforçado e todo niquelado. Cabelos compridos e brancos, bigodes cheios e também brancos lhe valem o apelido de “Búfalo Bill”.
Aventureiro veterano, Jorge sempre fugiu do convencional. Em 1969, vestido de mendigo, sem tostão no bolso, foi a pé de Dourado a Brasília (quase 900 quilômetros) para ver como seria tratado se as pessoas não soubessem que era fazendeiro. De 1979 a 1981 perambulou o mundo. Montou camelo no Paquistão e elefante no Nepal; andou a pé 1.500 quilômetros na Índia durante quatro meses, acompanhando um guia espiritual budista.
Depois da parada do almoço, nada melhor que uma soneca na rede da varanda da casa de dona Benedita, quase na praia, recebendo a brisa do mar. Mas logo chega a hora de partir. Toda a aldeia vem se despedir, e a marcha é reiniciada pela praia.
Índios Potiguares.
Seguindo o trajeto incluia a travessia de um rio e foi preciso levar um guia nativo. O escolhido é Luiz Paulino Neto, 38 anos, que nasceu e viveu ali com a mulher e dois filhos pequenos. É pescador de baiteira, pequena e tosca embarcação, metade de uma jangada, com a qual tira o sustento. Agora ele a troca pela sela de Itajubá. Foi bom mesmo ele vir junto: o rio está alto, encombre os cavalos e não dá para passar montado. A solução é o barqueiro Antonio Madeiro, que leva de uma margem a outra as selas dos animais e os cavaleiros. Jorge Aguiar, porém, cismou que só passa montado. Escolhe um trecho mais raso, esporeia Pensamento e atravessa o rio levantando água. Mesmo com as estrelas, o caminho é muito escuro e a marcha fica por conta do instinto dos cavalos. E segue até as 9h30 da noite, quando os cavaleiros chegam à aldeia dos índios Galegos. Param num boteco e convidam o guia para um gole de cerveja. O pescador prefere cachaça e puxa uma conversa sobre histórias de valentia. Os “causos” rolam até que, com os olhos vermelhos, Luiz Paulino engole o último trago e avisa que vai embora. Leva no bolso uma gratificação e some na escuridão, enquanto os outros vão dormir.
No dia seguinte, a caravana amanhece cercada pelos índios potiguares, famosos pela valentia nas lutas ocorridas ali na Baía da Traição. O lugar passou a ser chamado assim pelos brancos após um massacre que teria sido praticado pelos índios no século 16: depois que a filha do cacique foi seqüestrada, eles teriam matado 500 moradores de um engenho. Os velhos, as mulheres e as crianças que cercam o caminhão, descendentes dos valentes potiguares contestam esta versão. Aculturados, não falam a língua nativa, e dos ancestrais não conservam nem as terras. Massacre foi isso. Galego é uma das 14 aldeias que formam a reserva indígena de 3.600 pessoas, conta Manoel dos Santos, 47 anos, filho de pai potiguar e chefe em exercício do lugar. A reserva tinha 57 mil hectares; depois da nova demarcação, restaram 25 mil. Posseiros e usineiros tomaram a outra parte. De herança, sobrou apenas a dança do toré e toco da roda, explica a bela Maria das Dores Barbalho, uma das poucas potiguares puras, casada e com filhos de homem branco.
Hora de Apear.
ZÉ REIS está pronto para reassumir seu emprego no hotel fazenda do Pedroca, onde ensina os hóspedes a montar. Nesta cavalgada, ele viu lugares que nem sequer imaginara existissem e matou a saudade dos estirões do passado, quando tocava boiada e dormia em pelego ou em rede. Agora, volta para a mulher Leonor, aos três filhos e à casa onde nasceu e mora sua única propriedade. Mas quando passar a cavalo, o povo de Dourado mudará o tratamento: “Olha aquele é o José Reis. Um dia ele e outros dois...” Será um pedacinho da história da cidade. E, intimamente mudará será moço de novo.
PEDRO DIAS DE AGUIAR, Pedroca, também volta para o Rancho Bela Vista, seu hotel, onde o espera Dona Olga, que conheceu há quatro anos e com quem se casou imediatamente. De agora em diante, ela sabe, terá de dividir o marido com os filhos, netos, amigos e hóspedes. Todos estarão ansiosos para abraçá-lo e ouvir de sua voz calma o relato da aventura. Quando ficar sozinho, meditará sobre as coisas que viu e que estão anotadas em seu diário. Impressionado com as desigualdades que viu, sensibiliza-se com a carência das crianças do interior, que toda manhã vencem distâncias para chegar à escola. Merecem uma oportunidade.
JORGE, esse nunca vai envelhecer. Nasceu mesmo para Búfalo Bill. Para apartar briga de cavalo bravo e levar tombo de burro chucro no terreiro de café da fazenda dele. Encara tudo igual a uma queda de cavalo: só prova que o sujeito está rijo, pois levantou para continuar. Há mais aventuras a descobrir. Ele sempre será apaixonado pela vida... apesar de saber que viver é perigoso.
Fonte de Pesquisa:
Revista Globo Rural – Editora Globo – Ano 8 Nº 91 – maio/1993.
Ver também:
“Dos Anjos” para os Homens.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/06/alunos-do-2-termo-lembrancas-escola.html
Programação da Festa de São João Batista – 2010.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/06/festa-sao-joao-batista-dourado-2010.html
Escola do Bairro do Bebedouro.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2008/09/escola-do-bairro-do-bebedouro-dourado.html
Avenida Marchador Brasil 14 mil quilômetros.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/05/avenida-marchador-brasil-14000-km.html
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