Os Carneiros e a Estrela (Parte II) por Kate Agnelli.
Retomando o tempo, roubando lembranças e aprisionando-as no papel, vou contar a história ouvida das tias, avós, enfim das pessoas mais velhas.
Era o começo deste século. O Estado de São Paulo estava sem a mão-de-obra gratuita dos escravos, recém libertos pela Lei Áurea. Os cafezais estavam parando. O que fazer se perguntavam os fazendeiros? A resposta veio através de uma Europa convulsionada por mudanças, com gente sobrando. Contratar trabalhadores estrangeiros. Foi a solução. E vieram os Italianos. Pressionados por uma Itália enfraquecida e ainda lutando por uma unificação dolorosa, muitas famílias Italianas viram na imigração uma luz de esperança. Chegavam aos milhares com o intento de "Fare l 'America, ma che bruta America!” Outros também vinham por causa das perseguições ideológicas contrárias à igreja Católica, grande poder na época.
Entre os reacionários estavam os Agnelli, que apesar do nome significar carneiros, nada tinham de manso, ao contrário, eram bravos e corajosos como tigres. De temperamento altivo, trabalhadores incansáveis, inteligentes, logo impuseram respeito.
Na verdade no final do século passado grandes transformações ocorriam por toda a Europa, o capitalismo e a industrialização forçavam muitas famílias camponesas analfabetas a miséria. Desde 1870 a Itália não sabia o que fazer com o número cada vez maior de desempregados. Ao mesmo tempo pequenos produtores rurais se viam afogados em dívidas, por causa da alta taxa de impostos sobre a terra. Acabavam engolidos pelos grandes proprietários rurais, que compravam suas terras por um preço muito abaixo da cotação real. Esses pequenos agricultores também acabavam na imigração...
A maior parte sequer sabia onde ficava o Brasil, não imaginavam o que iriam encontrar e o quão terrível podia ser uma viagem de navio para atravessar o Oceano Atlântico. Alguns nunca haviam saído de seus pequenos vilarejos...As famílias eram enormes, todas com crianças pequenas. Muitas vezes vinham todos, os avós, os pais, os tios, até os vizinhos.
No início da imigração a grande maioria dos italianos eram Vênetos, principalmente porque tinham grandes conhecimentos de agricultura. Segundo o autor P.Ghinassi "os meridionais(...) não amam a terra como os camponeses do Norte(...).De natureza versátil, engenhosos e irriquietos se adaptam a todos os trabalhos e profissões, mesmo as mais humildes e algumas vezes abjetas, desde que consigam um lugar imediato. Estes constituem a espinha dorsal dos diaristas (camaradas e trabalhadores por turma) ..) vão para as fazendas, mas não se dobram à prepotência e geralmente ficam ali só durante a colheita, depois passam para outras ocupações e quando essas terminam se repatriam para participar da colheita na cidade de origem".
Os Agnelli eram da Toscana da região de Arezzo. Como tudo estava ficando mais difícil e tendo eles se envolvido nas contendas locais pela posse da terra, viram-se ameaçados de morte. Num ato de coragem D. Violanda resolveu imigrar para a Argentina, trazendo apenas os filhos mais velhos. Com imensa dor no coração deixou os pequenos na Itália escondidos nas casas dos amigos. Mas mesmo na Argentina foram descobertos por fanáticos e novamente ameaçados. A solução foi vir para o Brasil. Trouxeram documentos, uma "burra" com jóias, ouro e demais valores carregáveis.
E o Brasil da época significava São Paulo dos cafezais, que logo aprenderam, era o que comandava a vida por aqui. O café que desconheciam era para eles no começo uma frutinha verde como a esperança, ia ficando vermelha e ardida, pois o sol em peles delicadas, fazia nascer um sentimento de raiva, finalmente acabava se tornando seca e escura como a vida cheia de tristezas e desilusões, depois de alguns anos na lavoura cafeeira... Muitos morriam de febre amarela, de bexigas. As mulheres enlouqueciam por causa de partos sem cuidados. Crianças descalças eram vítimas de picadas de escorpiões, de cobra, alguns acabavam cegos devido ao tracoma que ataca olhos pouco acostumados ao sol do clima tropical. Era como se eles tivessem chegado num outro planeta.
Mas aquela gente montanhesa de pele clara e de grandes reuniões familiares, tinha uma vontade indomável, mesmo nos anos de profunda nostalgia da terra natal.
Alguns italianos ingênuos vinham também ludibriados por promessas de ganho fácil. Inicialmente os Agnelli vieram para a região de São Carlos, mas acabaram por se instalar em Ribeirão Bonito. Lá montaram um grande armazém de produtos importados, como azeite, azeitonas, queijos e vinhos, na estação chamada "Ferraz Salles", parada obrigatória do trem da Douradense.
Os Agnelli exportavam café e importavam produtos inexistentes por aqui. Eram donos da Fazenda Pedra Branca. Naquela época ocorreu uma superprodução do café brasileiro. Em 1906 foi feito o convênio de Taubaté, uma medida que defendia o preço do produto. Isso custou muito caro para a economia do país, resultando em dívidas externas e competição de outros países no mercado mundial. Por essa época, em Dourado foi fundado o primeiro Grupo Escolar, inaugurado em 3 de agosto de 1908.
De arquitetura arrojada, projeto de Manuel Sabater. Com um frontão principal, decorado com duas estrelas de Davi... Quem conseguiu a aprovação da obra no governo de Jorge Tibiriça, foi o Dr. Carlos José Botelho, que também era Arruda... Em 1909 escreve o autor italiano, Paolo E. de Luca: "Os nossos imigrantes brasileiros são quase todos agricultores, provenientes, na sua maioria das províncias meridionais (...) muitas cidadezinhas da Calábria e Basilicata se tornaram quase despovoadas pela desenfreada emigração para o Brasil(...) Do Norte saem os Vênetos(...), dirigem-se de preferência para o estado de São Paulo e de lá se formam duas correntes distintas; uma se enterra campo adentro se dedicando à agricultura, a outra fica nas cidades e subúrbios, para exercer qualquer espécie de atividade. A primeira corrente é constítuida de pessoas provenientes na sua maioria de cidades vênetas, a outra da Itália central e meridional"
O trabalho do plantio do café era duro. Primeiro derrubava-se a mata, em geral no mês de abril, pois a chuva havia diminuído. A derrubada era feita com facões, machados e foices. Abatiam a mata natural, que se vingava com picadas mortais de cobra. Deixava-se a vegetação secar , para por fogo em agosto. A madeira ainda verde que sobrava, era utilizada em construções e as cinzas como adubo. Durante o tempo de espera da secagem, fazia-se viveiros de mudas de café. Após o desmatamento formava-se o cafezal. Por entre as "ruas", os imigrantes plantavam milho e feijão. Os contratos de trabalho duravam, em geral, cinco anos. O tempo de o café crescer, ser cuidado até a colheita.
Havia casos e conflitos entre colonos e fazendeiros. Os italianos diziam "desgraçado daquele que possuir mulher ou filha bonita", pois eram constantemente assediadas por capatazes inescrupulosos, que ainda perseguiam os homens espancando-os sem motivo aparente. Inúmeras queixas chegavam ao Consulado Italiano. O grupo dominante acabava por expulsar a família inteira, caso a mulher não cedesse aos caprichos desonestos. As mulheres possuíam uma carga de trabalho tremenda, pois cabia a elas, além de parir os filhos, fazer o pão consumido pela família, cuidar dos animais domésticos e o cultivo de cereais. Todo esse trabalho resultava numa certa economia para a família.
Para muitas famílias imigrantes recém chegadas a surpresa era muito grande pois, ao chegarem ao Brasil, recebiam a terra coberta por vegetação, não tendo sequer uma cabana para se abrigar, dormiam ao relento até construírem o primeiro casebre. Desmatar. Queimar. Plantar, mais quatro anos de espera até a primeira colheita. Com o preço do café caindo, os fazendeiros acabaram proibindo a plantação de cereais entre as "ruas de café". Um duro golpe para os colonos.
As greves começaram em 1913, segundo jornais da época. Muitos fazendeiros não queriam contratar italianos do sul, pois diziam que eram muito"encrenqueiros". Na verdade foram os primeiros a não se deixar dominar pelo poder. Iniciava-se um novo período, o do trabalhador assalariado. Naqueles anos muitos imigrantes retornaram a Itália tão pobres quanto saíram. Isso acabou por desestimular a evasão. Na Itália começava a industrialização e o operariado. No Brasil, os italianos resistiam ao desfacelamento familiar, mantendo seus valores originais, apesar do desrespeito imposto pelas oligarquias.
Natale Agnelli, sua mulher Giustina com o filho mais velho Antonio jovem de grande estatura, olhos azuis, temperamento ardente, terrivelmente sedutor. Antonio Agnelli crescia cheio de saúde num Brasil pleno de possibilidades de desenvolvimento e tantas coisas para descobrir. D. Giustina, mulher de temperamento forte, mantinha um porrete atrás do balcão do armazém, qualquer homem que tentasse uma gracinha ou bebesse um pouco além da conta, ela virava uma fera. Parecia o Thor deus dos nórdicos, colocava todos para correr com o porrete na mão. Ficou famosa pela valentia. Contam que certa vez um mulato forte entrou no estabelecimento e queria pinga, produto desconhecido para ela, pois so vendia vinho italiano, mas ele insistia. Numa ação rápida Giustina agarrou-o pelo pescoço e o jogou fora do local. Nunca mais voltou. Ela tinha um filho por ano, todos nascidos em casa, antigamente não havia atendimento hospitalar. Mas ela dizia, "quem tem medo de morrer, não merece viver"... Para quem veio de uma Itália desmantelada por tantas brigas, divisões internas de poder, sua alma era mesmo de um soldado. Enfrentava a vida, como uma batalha travada na guerra diária pela sobrevivência.
Antonio, Natale e Natal Agnelli.
Antonio Agnelli - Casa em construção no centro da cidade.
Antonio Agnelli e filhos.
Antonio Agnelli e Esposa Tereza.
Ver também:
Nossas Origens.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/04/nossas-origens-e-tradicoes.html
Festas Regionais.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/06/festa-sao-joao-batista-dourado-2010.html
Os Carneiros e a Estrela (Parte I).
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/num-passado-distante-em-dourado.html
O Turismo em Dourado.
http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/dourado-e-o-turismo.html
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