terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Parte Final: Os Carneiros e a Estrela (por Kate Agnelli).


Durante a ditadura militar muitas músicas e seus autores foram proibidos. A censura rancorosa prendia até adolescentes de quatorze anos. A moçada douradense divirtia-se como podia. Tomava sorvete na sorveteria do Durvalino Pereira e do Cândido que ficava bem ao lado do cinema "Cine São Paulo" propriedade do Orlando Tavano.
O cinema fazia duas sessões, a das sete era mais cotada, geralmente iam as moças "de família" e havia a das onze. Os domingos havia matinée para a criançada. Na entrada cartazes anunciavam os próximos filmes, a maioria de bangue-bangue, alguns até Italianos disfarçados de Americanos. Vendia-se pipoca com molho ou sal e algodão doce, alegria da molecada e dos dentistas. Dourado foi perdendo aquele arzinho europeu. Seus bangalôs, herança da ferrovia foram dando lugar a uma arquitetura despojada, de linhas retas.
Finalmente em 1966 a última locomotiva deixou a cidade. O trem que carregara os imigrantes e o café, que trouxera tantos sonhos, acabou... A cidade estava asfaltada, completamente diferente.

Foto aérea no site http://br.geocities.com/cefdourado/ , colaborador: Alberto Henrique Del Bianco (Curador do Museu virtual da Cia. Douradense).






Os rebeldes dançavam e bebiam "cuba", fumavam cigarro Minister no Dourado Clube ao som dos "Beatles" e "Rolling Stones" . A maconha era coisa raríssima, no interior, quem fumava era logo visto como marginal. Os mais velhos achavam todos os jovens loucos e que a juventude estava perdida.
Os jovens intelectuais gostavam do Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano, enfim eram os "bichos grilos", enquanto que o povão queria mesmo a "jovem guarda" e Roberto Carlos. A Record era o máximo de televisão naquela época, mas havia a Tupy também. A realidade reinventada em preto e branco. A juventude fazia um coquetel de ideologias, misturava-se Ghandi, Che Guevara e imprudência... Os vestidos rodados do "rock" deram lugar aos práticos tubinhos. Veio a mini-saia, nascida na Inglaterra infernizou pais e mães Latino-americanos.
As meninas saiam de casa com a sais nos joelhos, mas ao virar a primeira esquina, enrolavam-as no cós para ficar na moda, isto é, bem curtas. Os cabelos tinham que ser lisos "de morrer" e quem não os possuíssem, sofria. E os pobres cabelos eram presos nas famosas "toucas" (enrolava-se todo o cabelo em volta da cabeça e se prendia com grampos), durante a noite, quando amanhecia, eles estavam lisos! Se mesmo assim o resultado não fosse o esperado, passava-se literalmente o cabelo no ferro de passar roupa. Torcia-se para não chover ou o tempo ficar úmido, senão todo o trabalho era perdido!
Tudo para estar estritamente na moda californiana dos "hippies" Havia também a moda da banana. Prendia-se o cabelo todo para trás e colocava-se grampos formando uma espécie de banana feita de cabelos. Sem falar na moda de lavar os cabelos com cerveja para dar volume. Pobres namorados, tinham que aguentar aquele cheiro de bêbado misturado com perfume. Além é claro dos famosos coques presos no alto da cabeça parecendo um bolo cheio de glacê. O trabalho era completado com um laquê fedido...
A juventude experimentava todos os sabores e dissabores. As mudanças eram muito mais rápidas que na geração anterior. Os cabelos ficaram longos e as sais curtas. As calças alargaram as barras, imitando as mexicanas , as famosas bocas de sino.
Uaru Clube







Inauguraram também o primeiro clube com piscina o "Uaru Clube", estreado pelo jovem campeão de natação Norival Agnelli, que morava em Bauru, mas com raízes douradenses.
Ao redor da cidade os campos branqueavam com a produção do algodão. Coitados daqueles que precisavam colher tão suave pluma, seus dedos viviam inflamados, pois para se tirar o algodão da sua embalagem natural, enfrentava-se os espinhos. O algodão era colocado em fardos enormes para serem colocados nos caminhões que os levavam para o beneficiamento. Das sementes retiradas fazia-se o óleo.
Foi instalada também a Escola Normal no "Salles Jr." e muitos jovens que haviam parado de estudar no ginásio, voltaram às aulas. O uniforme imitava os da Inglaterra. Saia cinza para as meninas, blusa branca, meias três quartos branca e sapato preto de amarrar, também chamado colegial. Os meninos vestiam calça cinza, camisa branca e sapatos pretos. Camiseta só para a aula de Educação Física. Usava-se carteirinha para marcar a presença dos alunos. Era carimbada diariamente pelo Totó Speranza e D. Isaura. Os pais tinham total controle sobre as faltas dos filhos. Qualquer falta de Educação Física precisava ser justificada e assinada pelos pais.

Escola Salles Jr.







O controle era rígido, mas o Cezinha Tavano era impossível de controlar. Cada dia ele tinha uma arte como novidade. Enchia os buracos das fechaduras de giz, o professor não conseguia enfiar a chave e abrir a porta, colocava azul de mitileno na caixa d'água da escola e assim por diante.
Havia duas farmácias a Santa Terezinha de Albertino Therezo, onde trabalhava o Mathias e a Droganossa, que o Gerson ajudava. Os douradenses começaram a ficar famosos pelo bom trabalho em marcenaria. A primeira foi do Pelaes ao lado do antigo banco Novo Mundo e em frente a loja do Idio Carli, que fazia promoções e representava as máquinas de costura Vigorelli. Quem acudia as donas de casa quando as máquinas encrencavam era um velhinho italiano o senhor Furio, que morava com sua mulher na última rua da cidade.
Depois a indústria moveleira de Dourado tomou um grande impulso, vindo gente de longe atrás da qualidade dos móveis. Surgiram outras indústrias ; Macari, do Roque Justi, etc. Os calçados eram comprados nos Irmãos Tavano. Havia "os de cima" e os "de baixo", na mesma rua e eram da mesma família. Sapateiros que reformavam calçados caprichosamente eram comuns também, como o Nilo Bertoccci e o Rafa. Os cabelos eram penteados, tingidos e tratados pela Águida e Ana Bertocci. As cabeleleiras eram ponto de encontro das senhoras para colocar as notícias em dia.
As crianças da pré-escola eram muito bem tratadas pela Dona Carmem Ballestero Gutierrez do Jardim de Infância. Os vestidos mais chics eram costurados pela Maria Rosa que arrematava tudo à mão. Ainda não existia overloque. Mas havia outras boas costureiras, como as irmãs Dora e Idalina D'Abruzzo. Dourado ainda não havia entrado na onda de supermercados. Possuía armazéns como Demetti, Indalécio, Ortega, Pasquale, Colagrossi, que virou lojinha de mil coisas. A loja do Atílio Jacobucci vendia jóias e relógios e quem consertava-os era o Antonio Assuad e depois o Chacon recém chegado à cidade. Os Bassi e Carron fabricavam artigos para carroças e maquinário agrícola.
As crianças filhos e filhas de trabalhadores rurais já podiam ficar seguras numa creche, aos cuidados de "Tia Antonia", trazida de Rio Claro, através de esforços feitos por Isaura Pereira, que era espírita e não gostava que seu nome aparecesse. Os velhinhos também já possuíam um asilo muito simples, mas que lhes dava abrigo. Tudo esforço do senhor José Buzza. A televisão ainda era artigo de luxo no final dos anos sessenta e começo dos setenta. Poucas casas eram privilegiadas e podiam assistir as novelas da Tupy ou os shows da Record. Era um tal de vira a antena pra cá, vira pra lá, assim tá bom...A cada interferência lá ia geralmente o dono da casa virar aquela geringonça num balé desajeitado para encontrar a diversão da família. As cadeiras saíram das calçadas e foram parar em frente a telinha mágica, na maior parte do tempo cheia de chuviscos. Acabaram-se as conversas e reflexões do final da tarde. A amizade foi ficando menos chegada. Quem tinha televisão emprestava para os vizinhos com certo ciúme do progresso alcançado.
A realidade foi ficando desbotada. Todos de boca aberta viram o homem dar o maior passo da civilização, a primeira pegada humana fora do planeta, o homem pisara na lua!
Havia um senhor na cidade, homem até respeitável que não acreditou no fato de modo algum. Jurava que era armação da televisão. As roupas da moda eram compradas na loja da Zilda Agnelli e a gasolina dos carros era vendida nos postos do Nardinho, o do Rubinho e seu irmão Dete.

Foto Posto do Rubinho. (1982).








Os melhores mecânicos eram o Carlinhos Ortega e o Armando Trentino, consertavam na maioria Volkswagen. Depois vieram outros. O álcool e a cana ainda não tinham embebedado de ilusões as cidades...



Banda 19 de Maio.





Em 1968 a Douradense desligou-se completamente da companhia Paulista de Estradas de Ferro. Parece que a saída da última locomotiva motivou muitos jovens a deixar a cidade em busca de vida melhor. Tinha-se a impressão que uma etapa havia passado, que todos precisavam buscar o futuro em algum lugar. Em 1969 a famosa Banda "19 de Maio", orgulhosamente douradense ganhava um concurso estadual na cidade de Bauru. Graças aos esforços do Maestro Tanaka ( Enéas Gonçalves ). E para finalizar o período, o prédio da Estação de trens da Douradense foi derrubado pelo então prefeito Antonio Bueno Munhoz, sob protestos da população indignada.



Foto Antiga da Estação Douradense.



O prédio era realmente uma beleza. E Dourado foi murchando como uma flor que não é mais regada pela esperança da força jovem, que a cada ano desaparecia um pouco mais. A vida necessita de emoções e sonhos para se manifestar, então idealizamos, imaginamos e nos mudamos de um lado para outro. Achamos que somos nós os donos do nosso destino, mas ele nos engana com ilusões que ao serem perseguidas dão continuidade ao processo que se chama vida...
Tudo o que fazemos é completar etapas desse jogo. Naturalmente "os vencedores" serão aqueles que conseguirem se equilibrar melhor no fino fio da dualidade humana e terminam a partida sem ferir nem a si nem aos outros. Todos somos muito frágeis em determinados pontos de nossas personalidades. Alguns não conseguem o equilíbrio e desabam em bebidas, drogas e fugas de todos os tipos, causando muita dor ao seu redor... Outros ainda se seguram nas palavras que tecem a malha do destino, e escrevem. Palavras são a pura magia do pensamento aprisionado.
Nos anos sessenta surgiram sociedades alternativas, espiritualistas, mais tolerância e menos preconceitos com as diferenças. Olhando para a história humana que se tem conhecimento, vemos que nunca houve uma mudança que não fosse seguida por uma guerra. Ainda é a maneira que a vida encontra para o desenvolvimento. Triste maneira...
De negativo daquela época, sobraram as drogas e uma certa falta de objetivos nos filhos da chamada "geração hippie", com raras exceções são jovens bem certinhos e acomodados. A a maioria que curtiu "Beatles e Rolling Stones", cortaram seus longos cabelos e trocaram as flores por executivas pastas pretas cheias de sonhos mortos...
Nos fins da década de sessenta muitos netos de Firmino Pereira e Antonio Agnelli já estavam se casando, outros adolescentes e crianças. Dos Pereiras que restaram em Dourado foram Osório casado com Júlia Agnelli, cinco filhos; Vera, Valdir Valdecir, Vanda Catarina e Wagner José. Anna ( Nica) casada com Inca e os três filhos; Rosana, Antonio Roberto e Andrea. Firmino casado com a outra Nica, com dois filhos Silvia e Flávio. Firmino faleceu em 1968, quando voltava do seu sítio, montado no cavalo. De repente parou de falar com o filho e foi caindo para o lado do animal, já morto. Luísa casada com Geraldo morreu em 1969. Caiu na banheira, teve traumatismo craniano. Deixou três filhos; João, Creuza, Geraldo. Isaura viúva também morreu em 1968. Maria morreu em 1970. No decorrer e um ano quatro irmãos se foram. Dos cinco filhos de Serafina a mais velha Áurea mudou-se para o Paraná. O segundo, Pedro foi para Ibitinga, ficando em Dourado; Maria, Francisco e Jacinto. Luiz continuava com sua carpintaria e não tinha filhos. Mário mudou-se para Bauru com os cinco filhos; Mauro, Mauri, Marcos, Marcio e Magali.
Dos Agnelli poucos ficaram em Dourado. Praticamente só as mulheres. A única que foi para a capital foi Terezinha. Carlos, Torelli e Newton também foram para São Paulo, Natal para Bauru, Francisco para Barra dos Garças em Mato Grosso. Em Dourado restaram Júlia casada com Osório, Maria casada com Romeu Tavano, Justina nessa época já viúva de Arnaldo Varela e Zilda casada com Miguel Colagrossi.
Quanto aos Pereiras da Boa Vista os únicos que não aceitaram cabresto religioso foram Santo e Osório. Ficaram com terras no Bebedouro; Serafina, Luísa e Firmino, estranhamente os únicos a se casarem com primos.
Na década de setenta um grande número dos netos dos Pereiras e Agnelli já haviam se casado, poucos restavam em Dourado. São Paulo para a maioria era o grande sonho de liberdade, ganhar dinheiro, sentir-se vitorioso, como todos os jovens de todas as gerações. Mas os anos aplacam muito a ansiedade de ganhar tempo na vida. Outros preferiram ficar, não arriscar o que já tinham conquistado através das gerações passadas, continuando com terras, bois, sem grandes questionamentos. Somente Anna( Nica casada com Inca ) vendeu suas terras e comprou um pequeno sítio perto da cidade, que depois acabou vendendo novamene e fazendo a casa que mora até os dias de hoje. Júlia depois da morte do filho e da doença do outro passou sofre terríveis enxaquecas que a deixavam acamada. Era míope, bondosa com todos, nunca tinha resposta má para ninguém.
Essa foi realmente um carneiro ou seja uma "Agnela" de verdade. Depois que Mário Pereira vendeu a Boa Vista para o Pedro Luiz Dias de Aguiar ( Pedroca ). A maioria dos tachos de cobre da "Vó Sinhana" foi decorar as paredes da fazenda hotel. Até a roca de fiar foi parar lá na Bela Vista, pois o Zé Casadei vendeu como enfeite. Muitos estudantes que se formaram no segundo grau do final da década de sessenta e começo de setenta foram estudar nas Universidades Públicas de São Carlos e outras cidades.
Valdir e Valdecir, filhos de Osório e Julia foram estudar em Jaboticabal na Escola de Agronomia. Vera casou-se e morava em São Paulo. Vanda Catarina foi para São Paulo trabalhar e estudar, casou-se com um funcionário do Banco do Brasil, Antonio Roberto Donadio mas continuou sempre estudando, chegando a ganhar Bolsa de estudos para os Estados Unidos e França. Wagner fazia cursinho na cidade de São Carlos. Muitos outros jovens da cidade estavam se formando em boas Universidades, deixando suas raízes para trás. Poucos netos de imigrantes queriam ficar na terra. Um trabalho pouco valorizado, desprezado mesmo pelos governos em todos os tempos. Esquecem rapidamente aqueles que colocam comida na mesa. Estão acostumados somente assinar papéis, pouco se importando se uma má decisão afetará milhares de pessoas...

Em Dourado começaram a surgir outros bairros, ainda sem infra-estrutura, formados principalmente por aqueles que deixaram a terra. Ou eram colonos ou pequenos produtores que não agüentavam mais o descaso. Surgiu a Vila Seca, na verdade Vila são José, mas como o início não havia água ficou o apelido. Também surgiu o Jardim Central onde era a antiga chácara do Heliodoro. Sem falar no Jardim das Flores, muito bem cuidado no começo, feito por douradenses saudosos da terra natal como; Pedreschi, Milharcix, Foschini, aos quais aderiram outros douradenses insatisfeitos com a parte central da cidade.
Já que não queriam mudar de cidade, mudavam de bairro. Nos anos oitenta a cidade era formada por uma enorme geração de primos e primas de vários graus, pois os casamentos foram acontecendo e dando um colorido especial a tela do destino. As famílias foram se misturando na terceira e quarta geração, poucos foram buscar maridos e mulheres fora da cidade.
Talvez seja essa a causa da cidade se tornar fechada para estranhos. O entrelaçamento ficou tão forte, que a trama tornou-se impenetrável. O cinema acabou. Foi formada a "Latitude 22" do senhor Pedro Leite. Os fazendeiros insatisfeitos com a política do governo para a agricultura, desanimados com a falta de segurança acabaram arrendando suas terras para as usinas de cana.
Usineiros incentivados pelo pró álcool enriqueciam e davam empregos aos empobrecidos sem cultura. A cana tomou conta da terra, tomou lugar das culturas variadas. As casas se enfeitaram grotescamente com parabólicas, mas a população continuava banguela e faminta. Onde havia muitos pássaros, borboletas, animais silvestres, virou um deserto verde, onde a praga da pomba se instalou.
A chuva negra precipitou-se, enfeiando as casas, as ruas, piorando a qualidade do ar, infernizando os alérgicos. Motivo de grandes palavrões entre as donas de casa que viviam correndo para tirar as roupas do varal e fechar as janelas. O pôr-do-sol de toda a região central do estado escureceu. As cidades pequenas como Dourado passaram a ser cidades-dormitórios para legiões de Mineiros e Baianos, recrutados nas regiões mais pobres, para trabalhar na cana, no período do corte. A cana que de doce muito pouco tem para aqueles que deixaram a família distante, para eles o sabor é mesmo do sal do suor que escorre pelas costas queimadas por um sol abrasador, também das lágrimas de saudade dos entes queridos. O que virá depois da cana? Muitos fazendeiros já se acostumaram com o dinheiro das usinas e não estão investindo em novas tecnologias para um futuro próximo.
Agora as máquinas muito mais rápidas e eficazes estão tomando o lugar do cortador de cana. Onde poderá se colocar tanta gente desqualificada para outros trabalhos? Quase analfabeta? Uma população inculta e necessitada fatalmente será agressiva. É claro que aqueles que contribuem direitinho com seus impostos é que vão pagar esta conta. Ironicamente existe uma propaganda na televisão dizendo; "e se não fosse a cana ?" Pode ser que ela tenha trazido alguns benefícios a curto prazo, mas e daqui a vinte, trinta anos? Infelizmente a tendência nossa é aprender pela dor não pela inteligência e amor.
Dourado e outras cidades passaram pelo café, pelo algodão, certamente passará pela cana, que com certeza por aqui não foi tão doce.


Em 1997 Dourado completou um século de emancipação com uma grande festa. O Bebedouro foi finalmente reconhecido como pioneiro do lugar. As sementes deixadas há tanto tempo deram seus frutos. Os jovens e crianças vestindo orgulhosamente os trajes de seus ancestrais. Aqueles antepassados injustamente criticados e perseguidos por um poder que imaginava ser eterno...
Lá estavam os Cardoso, Os Pereiras, Os Lopes, Os Bueno, Os Gonçalves, os Ribeiros, os de Paula e naturalmente o outro sobrenome "dos Santos" acrescentado a todos. A história foi recontada pelo sangue vivo que corre nas veias dos descendentes, não de modo impessoal simplesmente por nomes e datas. Lá estavam também os frutos dos Italianos, Espanhóis, Japoneses, Alemães e Portugueses. Foi uma história viva. O povo participou com entusiasmo, pagando por suas vestimentas num ato de pura cidadânia. O roteiro foi escrito por mim e narrado brilhantemente pelo jornalista da Rede Globo Carlos Nascimento. Os carros de bois gentilmente cedidos pela família Correia e Carneiro de Brotas, participantes da história, abriram o desfile. Com seu canto dolorido de saudade e pelo reconhecimento, de um tempo que a honestidade era medida pela palavra dada, tocaram muitos corações...
Aqueles bois andando devagar, fortes, mansos despertavam na maioria um sentimento de continuidade, permanência, de pacificação e teimosia. Foram homenageados os doadores de terras para a formação da cidade como Capitão Antonio Alves ( avô do Zé da Ana ), José Alves de Lima( sem descendentes na cidade ) e José Modesto de Abreu que faleceu em 1867, portanto trinta anos antes da emancipação da cidade, quem doou as terras foi sua viúva. Precisamos emprestar a Roca de fiar da vó Sinhana, que estava na fazenda Bela Vista. O antigo torrador de café desfilou todo garboso veio direto do Bebedouro, da casa da Marisa Cardoso, assim como a mesa do queijo. As macaúvas e coquinhos, o guaco, o pilão, o caraguatá, todos símbolos de um passado que pertence a todos nós. A amizade sincera daquele povo de cem anos atrás ainda permanece. Bastou o Manoelito Cardoso falar que precisava do carro de bois, que os irmãos Carneiro se prontificaram a mandar, mandaram até os carreiros.
Dizem que o povo do Bebedouro é de "dura cervis", mas é justamente isso que mantém este tipo de unidade, desconhecida pela maioria das pessoas.
Com seu belo cavalo o Alcides Pereira representou brilhantemente seus antepassados, exímios cavaleiros mundo afora. Com seu berrante ligava o passado e o presente, quem sabe chamando por aqueles nomes que estão lá no cemitério do Bebedouro, único lugar que ninguém teve a audácia de mexer. O berrante alertou-nos também que quase todas as cidades do interior paulista começaram com caravanas de boiadeiros e tropeiros. Foram eles os primeiros que faziam as ligações entre os povos e abriam as estradas.


Foto Três Cavaleiros (José Reis, Pedroca e Jorge).



Desfilaram também os cavaleiros que fizeram a famosa jornada do "Brasil 14.000",coordenados por Sebastião Malheiros Neto. Na verdade foram dezessete mil quilometros, atravessando o país de norte a sul; Jorge, Pedro Luís e José Reis, coicidências à parte, os três são "Pereira".
O desfile do centenário da cidade foi dividido em três partes; passado, presente e futuro. O passado coube a nós do Bebedouro, onde deveria ter sido a cidade e que foi muito bem representado pelos descendentes legítimos, nada foi encenado, desde os objetos originais tudo era verdadeiro; a roca de fiar lã, o trole, os tachos, o pilão, a mesa do queijo, etc. Teve criança que desfilou com roupas que foram de suas tataravós, tudo autêntico, porque o caráter de um povo não muda. Mudam os tempos, as vestimentas, mas a genética não nega...
Estava representada a tão chorada ferrovia Douradense, os imigrantes por seus legítimos descendentes, as revoluções, os pracinhas, as festas típicas, enfim o povo caprichou.
Quanto aos que representaram o presente, que D'us realmente possa abençoar Dourado e fazer com que a NASA entre em contato e faça a cidade ser um centro de estudos espaciais, para progredir como um foguete, dando um trabalho melhor aos sofridos cortadores de cana. Quem sabe a vida não se torne mais doce...
Desfilaram os clubes, os esportistas, as escolas, os prestadores de serviços. Foram dois meses de trabalho duro para sair o desfile, é claro que queríamos fazer o melhor, mas às vezes só boa vontade não basta... Gostaríamos de fazer melhor, mas ninguém é perfeito, não é?
A Marisa Cardoso Caldas de Souza, êta nomão heim Marisa?! Coitada nem comia direito. A maioria das reuniões foram feitas na casa da incrível Maria Cecília Malheiros, com aquele vozeirão e seu violão, podia até fazer concorrência para Inezita Barroso! Hoje a Fazenda São Diogo da Maria Cecília é a mesma que pertencia aos antepassados do Bebedouro e tinha as tias velhas que teciam as famosas mantas de lã. Dizem que quando a lã começava a fazer nós, elas diziam três vezes o nome de "São Diogo" e logo os nós desapareciam... Curioso... na reuniões para se dividir o trabalho do desfile, geralmente compareciam as mesmas pessoas; Parê, Marisa, Eli Braga Cardoso, Célia Braga, Sueli Fragalli.
Quanto a parte final do desfile, foi feito uma projeção do que virá no futuro. Os carros alegóricos anunciavam uma volta à natureza, uma busca de equilíbrio. Fatalmente o futuro estará no Bebedouro, que permaneceu a parte da corrida para o progresso, preservando assim suas matas nativas, suas nascentes e coqueirais. A natureza preservada trará o brilho das eternas estrelas para Dourado.


Nos anos noventa Dourado começa a retomar idéias dos anos sessenta. Está pensando em ecoturismo. Ou respeitamos a natureza, ou a terra nos cuspirá fora como comida estragada.
Hoje a cidade passa boa parte do ano coberta com a fuligem das queimadas, sujando as casas, quintais, roupas no varal e até os pensamento das pessoas que bem lá no íntimo falam bons palavrões...Parece aquele filme "Black rain" ( Chuva negra ), guardando as devidas proporções, gente é gente, seja no Japão ou aqui. Nós limpamos a sujeira visível, enquanto o dinheiro se torna invisível e voa para lugares limpinhos do mundo civilizado.
As pequenas cidades se tornaram mais pobres e burras, apenas sobrevivendo enquanto o corpo físico permite ter força muscular.... Infelizmente precisamos aprender pela dor, precisamos perder as coisas boas, para depois lutar por elas. E a nação vai sendo dirigida por pavões politiqueiros que enxergam somente seu próprio umbigo. Não imaginam eles, que também são passageiros dessa linda nave azul chamada planeta Terra? Mas nem tudo está perdido, restou no fundo da caixa de Pandora a esperança...Como dizem ela é verde, como verde é o nosso país. Com certeza pousará feito uma fênix renascida das cinzas para pousar esplendorosamente em Dourado...Coração do estado de São Paulo.
Muitos que eram adolescentes das década de sessenta e setenta estão retomando o velho sonho, quem sabe para alimentar a terra douradense com a adubo do conhecimento, para fazer a renovação.
Depois de muitas mudanças, andanças e muito aprendizado, sinto-me privilegiada por ter nascido nessa região do melhor estado do Brasil. Pude adquirir conhecimento, posso me comunicar com boa parte do mundo, pode ser até por uma facilidade genética de "gente andeja" como dizia minha avó. Nunca parei de aprender, de estudar, nem vou parar. Fiz do conhecimento meu lar, minha pátria. Como diz a música de Vandré " aprendendo e ensinando uma nova lição, somos todos iguais, braços dados ou não..."
Dos Pereiras herdei um amor imenso por D'us, pela natureza, pelos animais e um grande e desconfiado instinto de sobrevivência. Dos Agnelli um senso prático, colorido e organizado. Moro em cima do arco-íris, não preciso procurar o pote de ouro da lenda... A liberdade do equilíbrio interior é o bem mais precioso, sem ele não existe paz, seja em Dourado, Paris ou Nova York... O futuro depende do presente, o passado já mostrou a lição, cabe a nós fazer a nossa estrela brilhar, principalmente numa cidade com nome tão sugestivo, que já nasceu por causa dos milhares de peixes e com nome estelar...
Não herdei terras. Planto sementes-palavras. Vivo onde está meu coração...



Hino de Dourado



Letra; Miltes Bueno Galassi
Música e adaptação; Rodrigo Tadeu Bellot da Costa
Arranjos; Rodrigo Costa
Vocais; Beto Santos, Cidinha Costa, Rodrigo Costa.



Quando em tempos distantes
Em que os bravos bandeirantes
Desvendavam os sertões...
Buscavam pedras preciosas.

Atrás de si uma clareira,
Aberta na trilha aventureira,
Princípio de civilização:
Solitárias choupanas levantadas,
Surgindo a população!!!

Refrão

Se a vida é um régio presente
Que o senhor tão generosamente
Concede a todos os filhos seus...
Nossa querida Dourado,
Nascer no teu solo amado,
Privilégio dado por Deus!

Sem sentir foi crescendo,
O povo então foi requerendo
De um padroeiro a proteção:
Veio são João Batista dos Dourados

Mas o vizinho Bebedouro
Instava para si o logradouro.
Foi lá que no início se instalou,
Pois o santo, conforme diz a lenda,
Por conta decide essa contenda,
Então padroeiro se tornou!

Refrão

Assim a cidade que cresceu
E tantas belezas recebeu
Até a ferrovia que partiu...
Agora a lembrança permanece

Chegado o fim da jornada,
E a nossa missão terminada
Enfim a hora de partir...
Deus conceda repouso neste abrigo,
No chão amado tão amigo
Para sempre o seu calor sentir...

Refrão



Bibliografia

ALVIM, Zuleika M. F. Brava gente! Os italianos em São Paulo 1870-1920. Primeira edição, Editora Brasiliense, Brasil, São Paulo, 1986

BENTES, Abraham Ramiro. Das ruínas de Jerusalém à Verdejante Amazônica. Primeira edição, Editora Bloch, Brasil, Rio de Janeiro,1987

GONÇALVES, Nicola. Histórias que o Povo Guardou. Segunda edição, Editora Giordano, Brasil, São Carlos, 1997

JOHNSON, Paul. História dos Judeus Segunda edição, Editora Imago, Brasil, Rio de Janeiro, 1995

KAYSERLING, Meyer. História dos Judeus em Portugal. Primeira edição, Brasil, São Paulo, 1867

LEVY, Moisés Mishel. Em Latino. Primeira edição, Editora Edison, Brasil, São Paulo, 1993

NEVES, Ary Pinto das. São Carlos do Pinhal no Século XIX. Primeira edição, Concurso de Monografia "Conte a História de sua Cidade", Brasil, São Carlos, 1997

NEVES, Ary Pinto das. São Carlos na esteira do tempo. Álbum comemorativa do centenário da ferrovia 1884-1984. Publicação independente, Brasil, São Carlos, 1984

OMEGNA, Nelson. Diabolização dos Judeu / Martírio e presença dos sefardins no Brasil colonial. Primeira edição. Editora Record, Brasil, Rio de Janeiro, 1969

PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. Os Judeus na Espanha. Primeira edição, Editora Giordano, Brasil, São Paulo, 1994

PERERA, Victor. The Cross and the Pear Tree / A Sephardic Journey. Primeira edição, Editora Alfred A. Knopf, EUA, New York, 1995

PEREIRA, Américo Arantes. A Família Pereira: descendentes de Domingos Antônio Pereira, estudo geneológico. Primeira edição, Publicação independente, Brasil, Ribeirão Preto, 1986


As primeiras referências encontradas sobre Dourado estão num desses livros, o de nº 20, da Freguesia de Brotas, nas anotações do ano de 1856, constando o registro (nº 60), feito em 5 de maio por José Alves de Lima (natural de São José das Formigas, hoje Paraisópolis, MG), de umas terras “no lugar denominado Dourado, que havia por posse feita há 26 anos mais ou menos” (por volta de 1830); no dia 27 do mesmo mês, Antonio José Vieira registrava uma parte de terras no valor de 285 mil réis e mais 8 alqueires de terras lavradias no lugar denominado Sítio das Contendas, situadas no “Bairro do Dourado” (folha 112, registro nº 215); nesse mesmo mês, Maria Francisca de Jesus, viúva de Joaquim Pereira de Araújo, também mineiro, registrava suas terras no “Sítio do Dourado”, às margens do rio Jacaré-Pepira (folha 101v, registro nº 190).

Fonte:
http://www.marta.amato.nom.br/dourado.htm


Ver também:

Os Carneiros e a Estrela (Parte I).



Fotos Salles Júnior.



Lembranças da Maria Fumaça.
 

Bar do Bertucci.



Lanchonete Babalú.



Festa Nossa Senhora Aparecida.



Homenagem aos douradenses.



Dourado e o Turismo.



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