



Os melhores mecânicos eram o Carlinhos Ortega e o Armando Trentino, consertavam na maioria Volkswagen. Depois vieram outros. O álcool e a cana ainda não tinham embebedado de ilusões as cidades...
Banda 19 de Maio.

Foto Antiga da Estação Douradense.
O prédio era realmente uma beleza. E Dourado foi murchando como uma flor que não é mais regada pela esperança da força jovem, que a cada ano desaparecia um pouco mais. A vida necessita de emoções e sonhos para se manifestar, então idealizamos, imaginamos e nos mudamos de um lado para outro. Achamos que somos nós os donos do nosso destino, mas ele nos engana com ilusões que ao serem perseguidas dão continuidade ao processo que se chama vida...
Tudo o que fazemos é completar etapas desse jogo. Naturalmente "os vencedores" serão aqueles que conseguirem se equilibrar melhor no fino fio da dualidade humana e terminam a partida sem ferir nem a si nem aos outros. Todos somos muito frágeis em determinados pontos de nossas personalidades. Alguns não conseguem o equilíbrio e desabam em bebidas, drogas e fugas de todos os tipos, causando muita dor ao seu redor... Outros ainda se seguram nas palavras que tecem a malha do destino, e escrevem. Palavras são a pura magia do pensamento aprisionado.
Nos fins da década de sessenta muitos netos de Firmino Pereira e Antonio Agnelli já estavam se casando, outros adolescentes e crianças. Dos Pereiras que restaram em Dourado foram Osório casado com Júlia Agnelli, cinco filhos; Vera, Valdir Valdecir, Vanda Catarina e Wagner José. Anna ( Nica) casada com Inca e os três filhos; Rosana, Antonio Roberto e Andrea. Firmino casado com a outra Nica, com dois filhos Silvia e Flávio. Firmino faleceu em 1968, quando voltava do seu sítio, montado no cavalo. De repente parou de falar com o filho e foi caindo para o lado do animal, já morto. Luísa casada com Geraldo morreu em 1969. Caiu na banheira, teve traumatismo craniano. Deixou três filhos; João, Creuza, Geraldo. Isaura viúva também morreu em 1968. Maria morreu em 1970. No decorrer e um ano quatro irmãos se foram. Dos cinco filhos de Serafina a mais velha Áurea mudou-se para o Paraná. O segundo, Pedro foi para Ibitinga, ficando em Dourado; Maria, Francisco e Jacinto. Luiz continuava com sua carpintaria e não tinha filhos. Mário mudou-se para Bauru com os cinco filhos; Mauro, Mauri, Marcos, Marcio e Magali.
Dos Agnelli poucos ficaram em Dourado. Praticamente só as mulheres. A única que foi para a capital foi Terezinha. Carlos, Torelli e Newton também foram para São Paulo, Natal para Bauru, Francisco para Barra dos Garças em Mato Grosso. Em Dourado restaram Júlia casada com Osório, Maria casada com Romeu Tavano, Justina nessa época já viúva de Arnaldo Varela e Zilda casada com Miguel Colagrossi.
Quanto aos Pereiras da Boa Vista os únicos que não aceitaram cabresto religioso foram Santo e Osório. Ficaram com terras no Bebedouro; Serafina, Luísa e Firmino, estranhamente os únicos a se casarem com primos.
Na década de setenta um grande número dos netos dos Pereiras e Agnelli já haviam se casado, poucos restavam em Dourado. São Paulo para a maioria era o grande sonho de liberdade, ganhar dinheiro, sentir-se vitorioso, como todos os jovens de todas as gerações. Mas os anos aplacam muito a ansiedade de ganhar tempo na vida. Outros preferiram ficar, não arriscar o que já tinham conquistado através das gerações passadas, continuando com terras, bois, sem grandes questionamentos. Somente Anna( Nica casada com Inca ) vendeu suas terras e comprou um pequeno sítio perto da cidade, que depois acabou vendendo novamene e fazendo a casa que mora até os dias de hoje. Júlia depois da morte do filho e da doença do outro passou sofre terríveis enxaquecas que a deixavam acamada. Era míope, bondosa com todos, nunca tinha resposta má para ninguém.
Essa foi realmente um carneiro ou seja uma "Agnela" de verdade. Depois que Mário Pereira vendeu a Boa Vista para o Pedro Luiz Dias de Aguiar ( Pedroca ). A maioria dos tachos de cobre da "Vó Sinhana" foi decorar as paredes da fazenda hotel. Até a roca de fiar foi parar lá na Bela Vista, pois o Zé Casadei vendeu como enfeite. Muitos estudantes que se formaram no segundo grau do final da década de sessenta e começo de setenta foram estudar nas Universidades Públicas de São Carlos e outras cidades.
Valdir e Valdecir, filhos de Osório e Julia foram estudar em Jaboticabal na Escola de Agronomia. Vera casou-se e morava em São Paulo. Vanda Catarina foi para São Paulo trabalhar e estudar, casou-se com um funcionário do Banco do Brasil, Antonio Roberto Donadio mas continuou sempre estudando, chegando a ganhar Bolsa de estudos para os Estados Unidos e França. Wagner fazia cursinho na cidade de São Carlos. Muitos outros jovens da cidade estavam se formando em boas Universidades, deixando suas raízes para trás. Poucos netos de imigrantes queriam ficar na terra. Um trabalho pouco valorizado, desprezado mesmo pelos governos em todos os tempos. Esquecem rapidamente aqueles que colocam comida na mesa. Estão acostumados somente assinar papéis, pouco se importando se uma má decisão afetará milhares de pessoas...
Em Dourado começaram a surgir outros bairros, ainda sem infra-estrutura, formados principalmente por aqueles que deixaram a terra. Ou eram colonos ou pequenos produtores que não agüentavam mais o descaso. Surgiu a Vila Seca, na verdade Vila são José, mas como o início não havia água ficou o apelido. Também surgiu o Jardim Central onde era a antiga chácara do Heliodoro. Sem falar no Jardim das Flores, muito bem cuidado no começo, feito por douradenses saudosos da terra natal como; Pedreschi, Milharcix, Foschini, aos quais aderiram outros douradenses insatisfeitos com a parte central da cidade.
Talvez seja essa a causa da cidade se tornar fechada para estranhos. O entrelaçamento ficou tão forte, que a trama tornou-se impenetrável. O cinema acabou. Foi formada a "Latitude 22" do senhor Pedro Leite. Os fazendeiros insatisfeitos com a política do governo para a agricultura, desanimados com a falta de segurança acabaram arrendando suas terras para as usinas de cana.
Dourado e outras cidades passaram pelo café, pelo algodão, certamente passará pela cana, que com certeza por aqui não foi tão doce.
Em 1997 Dourado completou um século de emancipação com uma grande festa. O Bebedouro foi finalmente reconhecido como pioneiro do lugar. As sementes deixadas há tanto tempo deram seus frutos. Os jovens e crianças vestindo orgulhosamente os trajes de seus ancestrais. Aqueles antepassados injustamente criticados e perseguidos por um poder que imaginava ser eterno...
Foto Três Cavaleiros (José Reis, Pedroca e Jorge).
O desfile do centenário da cidade foi dividido em três partes; passado, presente e futuro. O passado coube a nós do Bebedouro, onde deveria ter sido a cidade e que foi muito bem representado pelos descendentes legítimos, nada foi encenado, desde os objetos originais tudo era verdadeiro; a roca de fiar lã, o trole, os tachos, o pilão, a mesa do queijo, etc. Teve criança que desfilou com roupas que foram de suas tataravós, tudo autêntico, porque o caráter de um povo não muda. Mudam os tempos, as vestimentas, mas a genética não nega...
Estava representada a tão chorada ferrovia Douradense, os imigrantes por seus legítimos descendentes, as revoluções, os pracinhas, as festas típicas, enfim o povo caprichou.
Quanto aos que representaram o presente, que D'us realmente possa abençoar Dourado e fazer com que a NASA entre em contato e faça a cidade ser um centro de estudos espaciais, para progredir como um foguete, dando um trabalho melhor aos sofridos cortadores de cana. Quem sabe a vida não se torne mais doce...
Desfilaram os clubes, os esportistas, as escolas, os prestadores de serviços. Foram dois meses de trabalho duro para sair o desfile, é claro que queríamos fazer o melhor, mas às vezes só boa vontade não basta... Gostaríamos de fazer melhor, mas ninguém é perfeito, não é?
A Marisa Cardoso Caldas de Souza, êta nomão heim Marisa?! Coitada nem comia direito. A maioria das reuniões foram feitas na casa da incrível Maria Cecília Malheiros, com aquele vozeirão e seu violão, podia até fazer concorrência para Inezita Barroso! Hoje a Fazenda São Diogo da Maria Cecília é a mesma que pertencia aos antepassados do Bebedouro e tinha as tias velhas que teciam as famosas mantas de lã. Dizem que quando a lã começava a fazer nós, elas diziam três vezes o nome de "São Diogo" e logo os nós desapareciam... Curioso... na reuniões para se dividir o trabalho do desfile, geralmente compareciam as mesmas pessoas; Parê, Marisa, Eli Braga Cardoso, Célia Braga, Sueli Fragalli.
Quanto a parte final do desfile, foi feito uma projeção do que virá no futuro. Os carros alegóricos anunciavam uma volta à natureza, uma busca de equilíbrio. Fatalmente o futuro estará no Bebedouro, que permaneceu a parte da corrida para o progresso, preservando assim suas matas nativas, suas nascentes e coqueirais. A natureza preservada trará o brilho das eternas estrelas para Dourado.
Nos anos noventa Dourado começa a retomar idéias dos anos sessenta. Está pensando em ecoturismo. Ou respeitamos a natureza, ou a terra nos cuspirá fora como comida estragada.
Hoje a cidade passa boa parte do ano coberta com a fuligem das queimadas, sujando as casas, quintais, roupas no varal e até os pensamento das pessoas que bem lá no íntimo falam bons palavrões...Parece aquele filme "Black rain" ( Chuva negra ), guardando as devidas proporções, gente é gente, seja no Japão ou aqui. Nós limpamos a sujeira visível, enquanto o dinheiro se torna invisível e voa para lugares limpinhos do mundo civilizado.
As pequenas cidades se tornaram mais pobres e burras, apenas sobrevivendo enquanto o corpo físico permite ter força muscular.... Infelizmente precisamos aprender pela dor, precisamos perder as coisas boas, para depois lutar por elas. E a nação vai sendo dirigida por pavões politiqueiros que enxergam somente seu próprio umbigo. Não imaginam eles, que também são passageiros dessa linda nave azul chamada planeta Terra? Mas nem tudo está perdido, restou no fundo da caixa de Pandora a esperança...Como dizem ela é verde, como verde é o nosso país. Com certeza pousará feito uma fênix renascida das cinzas para pousar esplendorosamente em Dourado...Coração do estado de São Paulo.
Muitos que eram adolescentes das década de sessenta e setenta estão retomando o velho sonho, quem sabe para alimentar a terra douradense com a adubo do conhecimento, para fazer a renovação.
Depois de muitas mudanças, andanças e muito aprendizado, sinto-me privilegiada por ter nascido nessa região do melhor estado do Brasil. Pude adquirir conhecimento, posso me comunicar com boa parte do mundo, pode ser até por uma facilidade genética de "gente andeja" como dizia minha avó. Nunca parei de aprender, de estudar, nem vou parar. Fiz do conhecimento meu lar, minha pátria. Como diz a música de Vandré " aprendendo e ensinando uma nova lição, somos todos iguais, braços dados ou não..."
Dos Pereiras herdei um amor imenso por D'us, pela natureza, pelos animais e um grande e desconfiado instinto de sobrevivência. Dos Agnelli um senso prático, colorido e organizado. Moro em cima do arco-íris, não preciso procurar o pote de ouro da lenda... A liberdade do equilíbrio interior é o bem mais precioso, sem ele não existe paz, seja em Dourado, Paris ou Nova York... O futuro depende do presente, o passado já mostrou a lição, cabe a nós fazer a nossa estrela brilhar, principalmente numa cidade com nome tão sugestivo, que já nasceu por causa dos milhares de peixes e com nome estelar...
Não herdei terras. Planto sementes-palavras. Vivo onde está meu coração...
Hino de Dourado
Letra; Miltes Bueno Galassi
Música e adaptação; Rodrigo Tadeu Bellot da Costa
Arranjos; Rodrigo Costa
Vocais; Beto Santos, Cidinha Costa, Rodrigo Costa.
Quando em tempos distantes
Em que os bravos bandeirantes
Desvendavam os sertões...
Buscavam pedras preciosas.
Atrás de si uma clareira,
Aberta na trilha aventureira,
Princípio de civilização:
Solitárias choupanas levantadas,
Surgindo a população!!!
Refrão
Se a vida é um régio presente
Que o senhor tão generosamente
Concede a todos os filhos seus...
Nossa querida Dourado,
Nascer no teu solo amado,
Privilégio dado por Deus!
Sem sentir foi crescendo,
O povo então foi requerendo
De um padroeiro a proteção:
Veio são João Batista dos Dourados
Mas o vizinho Bebedouro
Instava para si o logradouro.
Foi lá que no início se instalou,
Pois o santo, conforme diz a lenda,
Por conta decide essa contenda,
Então padroeiro se tornou!
Refrão
Assim a cidade que cresceu
E tantas belezas recebeu
Até a ferrovia que partiu...
Agora a lembrança permanece
Chegado o fim da jornada,
E a nossa missão terminada
Enfim a hora de partir...
Deus conceda repouso neste abrigo,
No chão amado tão amigo
Para sempre o seu calor sentir...
Refrão
Bibliografia
ALVIM, Zuleika M. F. Brava gente! Os italianos em São Paulo 1870-1920. Primeira edição, Editora Brasiliense, Brasil, São Paulo, 1986
BENTES, Abraham Ramiro. Das ruínas de Jerusalém à Verdejante Amazônica. Primeira edição, Editora Bloch, Brasil, Rio de Janeiro,1987
GONÇALVES, Nicola. Histórias que o Povo Guardou. Segunda edição, Editora Giordano, Brasil, São Carlos, 1997
JOHNSON, Paul. História dos Judeus Segunda edição, Editora Imago, Brasil, Rio de Janeiro, 1995
KAYSERLING, Meyer. História dos Judeus em Portugal. Primeira edição, Brasil, São Paulo, 1867
LEVY, Moisés Mishel. Em Latino. Primeira edição, Editora Edison, Brasil, São Paulo, 1993
NEVES, Ary Pinto das. São Carlos do Pinhal no Século XIX. Primeira edição, Concurso de Monografia "Conte a História de sua Cidade", Brasil, São Carlos, 1997
NEVES, Ary Pinto das. São Carlos na esteira do tempo. Álbum comemorativa do centenário da ferrovia 1884-1984. Publicação independente, Brasil, São Carlos, 1984
OMEGNA, Nelson. Diabolização dos Judeu / Martírio e presença dos sefardins no Brasil colonial. Primeira edição. Editora Record, Brasil, Rio de Janeiro, 1969
PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. Os Judeus na Espanha. Primeira edição, Editora Giordano, Brasil, São Paulo, 1994
PERERA, Victor. The Cross and the Pear Tree / A Sephardic Journey. Primeira edição, Editora Alfred A. Knopf, EUA, New York, 1995
PEREIRA, Américo Arantes. A Família Pereira: descendentes de Domingos Antônio Pereira, estudo geneológico. Primeira edição, Publicação independente, Brasil, Ribeirão Preto, 1986
As primeiras referências encontradas sobre Dourado estão num desses livros, o de nº 20, da Freguesia de Brotas, nas anotações do ano de 1856, constando o registro (nº 60), feito em 5 de maio por José Alves de Lima (natural de São José das Formigas, hoje Paraisópolis, MG), de umas terras “no lugar denominado Dourado, que havia por posse feita há 26 anos mais ou menos” (por volta de 1830); no dia 27 do mesmo mês, Antonio José Vieira registrava uma parte de terras no valor de 285 mil réis e mais 8 alqueires de terras lavradias no lugar denominado Sítio das Contendas, situadas no “Bairro do Dourado” (folha 112, registro nº 215); nesse mesmo mês, Maria Francisca de Jesus, viúva de Joaquim Pereira de Araújo, também mineiro, registrava suas terras no “Sítio do Dourado”, às margens do rio Jacaré-Pepira (folha 101v, registro nº 190).
Fonte:
http://www.marta.amato.nom.br/dourado.htm
Ver também:
Os Carneiros e a Estrela (Parte I).
Fotos Salles Júnior.
Lembranças da Maria Fumaça.
Bar do Bertucci.
Lanchonete Babalú.
Festa Nossa Senhora Aparecida.
Homenagem aos douradenses.
Dourado e o Turismo.